Queridos leitores,
hoje quero falar de um escritor no qual eu tenho enorme admiração, o grande
poeta Rubem Alves (15 de setembro de 1933 - 19 de julho de 2014).
Pouco antes de
falecer em Campinas SP, eu estava me programando para ir até a cidade somente para
conhecê-lo, o que infelizmente não foi possível.
Rubens adoeceu e veio
a falecer por falência múltipla de órgãos, seu corpo foi cremado e suas cinzas
foram espalhadas sob um Ipê amarelo, Ipês amarelos eram sua paixão, assim como
minha também.
Sempre me
identifiquei com sua escrita, com certeza absoluta ele está na minha lista de
escritores preferidos. Sua sensibilidade é perturbadora, como se quase toda sua
obra fosse escrita para mim, e não estou exagerando.
No meu livro
"Sob as asas de uma Borboleta" coloquei uma citação de Rubens que
tinha tudo a ver com o meu momento.
“Não haverá
borboletas se a vida não passar por longas e silenciosas metamorfoses.”
Rubem Alves
Era exatamente assim
que eu estava me sentindo, saindo de uma grande metamorfose, renascendo,
voando, livre e feliz.
Então resolvi
registrar e levar para a vida todo o meu processo de transformação, minhas
dores, alegrias, segredos e fantasias.
Hoje mesmo depois de
ter partido, ainda me deparo e me surpreendo com tudo que ele tem para me ensinar.
Estou falando deste
texto maravilhoso que vou deixar aqui para vocês, difícil alguém não se
identificar.
Seja curioso e
pesquise mais sobre o Autor, sua vida, suas obras, sua carreira, vocês vão
descobrir um verdadeiro tesouro.
Um beijo e obrigada
por ler.
Solidão Amiga, de
Rubens Alves
A noite chegou, o
trabalho acabou, é hora de voltar para casa. Lar, doce lar? Mas a casa está
escura, a televisão apagada e tudo é silêncio. Ninguém para abrir a porta,
ninguém à espera. Você está só. Vem a tristeza da solidão... O que mais você
deseja é não estar em solidão...
Mas deixa que eu lhe
diga: sua tristeza não vem da solidão. Vem das fantasias que surgem na solidão.
Lembro-me de um jovem que amava a solidão: ficar sozinho, ler, ouvir, música...
Assim, aos sábados, ele se preparava para uma noite de solidão feliz. Mas
bastava que ele se assentasse para que as fantasias surgissem. Cenas. De um
lado, amigos em festas felizes, em meio ao falatório, os risos, a cervejinha.
Aí a cena se alterava: ele, sozinho naquela sala. Com certeza ninguém estava se
lembrando dele. Naquela festa feliz, quem se lembraria dele? E aí a tristeza
entrava e ele não mais podia curtir a sua amiga solidão. O remédio era sair,
encontrar-se com a turma para encontrar a alegria da festa. Vestia-se, saía, ia
para a festa...
Mas na festa ele
percebia que festas reais não são iguais às festas imaginadas. Era um
desencontro, uma impossibilidade de compartilhar as coisas da sua solidão... A
noite estava perdida.
Faço-lhe uma
sugestão: leia o livro A chama de uma vela, de Bachelard. É um dos livros mais
solitários e mais bonitos que jamais li. A chama de uma vela, por oposição às
luzes das lâmpadas elétricas, é sempre solitária. A chama de uma vela cria, ao
seu redor, um círculo de claridade mansa que se perde nas sombras. Bachelard
medita diante da chama solitária de uma vela. Ao seu redor, as sombras e o
silêncio. Nenhum falatório bobo ou riso fácil para perturbar a verdade da sua
alma. Lendo o livro solitário de Bachelard eu encontrei comunhão. Sempre
encontro comunhão quando o leio. As grandes comunhões não acontecem em meio aos
risos da festa. Elas acontecem, paradoxalmente, na ausência do outro. Quem ama
sabe disso. É precisamente na ausência que a proximidade é maior. Bachelard,
ausente: eu o abracei agradecido por ele assim me entender tão bem. Como ele
observa, "parece que há em nós cantos sombrios que toleram apenas uma luz
bruxoleante. Um coração sensível gosta de valores frágeis". A vela
solitária de Bachelard iluminou meus cantos sombrios, fez-me ver os objetos que
se escondem quando há mais gente na cena. E ele faz uma pergunta que julgo
fundamental e que proponho a você, como motivo de meditação: "Como se
comporta a Sua Solidão?" Minha solidão? Há uma solidão que é minha, diferente
das solidões dos outros? A solidão se comporta? Se a minha solidão se comporta,
ela não é apenas uma realidade bruta e morta. Ela tem vida.
Entre as muitas
coisas profundas que Sartre disse, essa é a que mais amo: "Não importa o
que fizeram com você. O que importa é o que você faz com aquilo que fizeram com
você." Pare. Leia de novo. E pense. Você lamenta essa maldade que a vida
está fazendo com você, a solidão. Se Sartre está certo, essa maldade pode ser o
lugar onde você vai plantar o seu jardim.
Como é que a sua
solidão se comporta? Ou, talvez, dando um giro na pergunta: Como você se
comporta com a sua solidão? O que é que você está fazendo com a sua solidão?
Quando você a lamenta, você está dizendo que gostaria de se livrar dela, que
ela é um sofrimento, uma doença, uma inimiga... Aprenda isso: as coisas são os
nomes que lhe damos. Se chamo minha solidão de inimiga, ela será minha inimiga.
Mas será possível chamá-la de amiga? Drummond acha que sim: "Por muito
tempo achei que a ausência é falta./ E lastimava, ignorante, a falta./ Hoje não
a lastimo./ Não há falta na ausência. A ausência é um estar em mim./ E sinto-a,
branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,/ que rio e danço e invento
exclamações alegres,/ porque a ausência, essa ausência assimilada,/ ninguém a
rouba mais de mim.!"
Nietzsche também
tinha a solidão como sua companheira. Sozinho, doente, tinha enxaquecas
terríveis que duravam três dias e o deixavam cego. Ele tirava suas alegrias de
longas caminhadas pelas montanhas, da música e de uns poucos livros que ele
amava. Eis aí três companheiras maravilhosas! Vejo, frequentemente, pessoas que
caminham por razões da saúde. Incapazes de caminhar sozinhas, vão aos pares,
aos bandos. E vão falando, falando, sem ver o mundo maravilhoso que as cerca.
Falam porque não suportariam caminhar sozinhas. E, por isso mesmo, perdem a
maior alegria das caminhadas, que é a alegria de estar em comunhão com a
natureza. Elas não vêem as árvores, nem as flores, nem as nuvens e nem sentem o
vento. Que troca infeliz! Trocam as vozes do silêncio pelo falatório vulgar. Se
estivessem a sós com a natureza, em silêncio, sua solidão tornaria possível que
elas ouvissem o que a natureza tem a dizer. O estar juntos não quer dizer comunhão.
O estar juntos, frequentemente, é uma forma terrível de solidão, um artifício
para evitar o contato conosco mesmos. Sartre chegou ao ponto de dizer que
"o inferno é o outro." Sobre isso, quem sabe, conversaremos outro
dia... Mas, voltando a Nietzsche, eis o que ele escreveu sobre a sua solidão:
"Ó solidão!
Solidão, meu lar!... Tua voz - ela me fala com ternura e felicidade!
Não discutimos, não
queixamos e muitas vezes caminhamos juntos através de portas abertas.
Pois onde quer que
estás, ali as coisas são abertas e luminosas. E até mesmo as horas caminham com
pés saltitantes.
Ali as palavras e os
tempos/poemas de todo o ser se abrem diante de mim. Ali todo ser deseja
transformar-se em palavra, e toda mudança pede para aprender de mim a
falar."
E o Vinícius? Você se
lembra do seu poema O operário em construção? Vivia o operário em meio a muita
gente, trabalhando, falando. E enquanto ele trabalhava e falava ele nada via,
nada compreendia. Mas aconteceu que, "certo dia, à mesa, ao cortar o pão,
o operário foi tomado de uma súbita emoção ao constatar assombrado que tudo
naquela casa - garrafa, prato, facão - era ele que os fazia, ele, um humilde
operário, um operário em construção (...) Ah! Homens de pensamento, não
sabereis nunca o quando aquele humilde operário soube naquele momento! Naquela
casa vazia que ele mesmo levantara, um mundo novo nascia de que nem sequer
suspeitava. O operário emocionado olhou sua própria mão, sua rude mão de
operário, e olhando bem para ela teve um segundo a impressão de que não havia
no mundo coisa que fosse mais bela. Foi dentro da compreensão desse instante
solitário que, tal sua construção, cresceu também o operário. (...) E o
operário adquiriu uma nova dimensão: a dimensão da poesia."
Rainer Maria Rilke,
um dos poetas mais solitários e densos que conheço, disse o seguinte: "As
obras de arte são de uma solidão infinita." É na solidão que elas são
geradas. Foi na casa vazia, num momento solitário, que o operário viu o mundo
pela primeira vez e se transformou em poeta.
E me lembro também de
Cecília Meireles, tão lindamente descrita por Drummond:
"...Não me
parecia criatura inquestionavelmente real; e por mais que aferisse os traços
positivos de sua presença entre nós, marcada por gestos de cortesia e
sociabilidade, restava-me a impressão de que ela não estava onde nós a víamos...
Distância, exílio e viagem transpareciam no seu sorriso benevolente? Por onde
erraria a verdadeira Cecília..."
Sim, lá estava ela
delicadamente entre os outros, participando de um jogo de relações gregárias
que a delicadeza a obrigava a jogar. Mas a verdadeira Cecília estava longe,
muito longe, num lugar onde ela estava irremediavelmente sozinha.
O primeiro filósofo
que li, o dinamarquês Soeren Kiekeggard, um solitário que me faz companhia até
hoje, observou que o início da infelicidade humana se encontra na comparação.
Experimentei isso em minha própria carne. Foi quando eu, menino caipira de uma
cidadezinha do interior de Minas, me mudei para o Rio de Janeiro, que conheci a
infelicidade. Comparei-me com eles: cariocas, espertos, bem falantes, ricos. Eu
diferente, sotaque ridículo, gaguejando de vergonha, pobre: entre eles eu não
passava de um patinho feio que os outros se compraziam em bicar. Nunca fui
convidado a ir à casa de qualquer um
deles. Nunca convidei
nenhum deles a ir à minha casa. Eu não me atreveria. Conheci, então, a solidão.
A solidão de ser diferente. E sofri muito. E nem sequer me atrevi a
compartilhar com meus pais esse meu sofrimento. Seria inútil. Eles não
compreenderiam. E mesmo que compreendessem, eles nada podiam fazer. Assim, tive
de sofrer a minha solidão duas vezes sozinho. Mas foi nela que se formou aquele
que sou hoje. As caminhadas pelo deserto me fizeram forte. Aprendi a cuidar de
mim mesmo. E aprendi a buscar as coisas que, para mim, solitário, faziam
sentido. Como, por exemplo, a música clássica, a beleza que torna alegre a
minha solidão...
A sua infelicidade
com a solidão: não se deriva ela, em parte, das comparações? Você compara a
cena de você, só, na casa vazia, com a cena (fantasiada ) dos outros, em
celebrações cheias de risos... Essa comparação é destrutiva porque nasce da
inveja. Sofra a dor real da solidão porque a solidão dói. Dói uma dor da qual
pode nascer a beleza. Mas não sofra a dor da comparação. Ela não é verdadeira.
Mas essa conversa não
acabou: vou falar depois sobre os companheiros que fazem minha solidão feliz.
Excelente! Posso chama-la de escritora Ana Paula?
ResponderExcluirRs...Pastor Paulo ainda não me considero, mas pode sim! Afinal já cumpri a missão de lançar o primeiro, e que venha outros. Grande abraço. Obrigada por ler.
ResponderExcluirVi vc no troca de estilos, caraca q mulher linda e serena? Fiquei loco por ti, pena ser uma oportunidade muito distante da realidade!!
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